Gratuidade

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domingo, 6 de abril de 2008

A Hora da Morte

De todas as certezas que pode ter o ser humano, a morte é sem dúvida uma delas.
Quem nasce já está fadado à morte.
Mensageira estranha, por vezes, abraça antes os mais jovens e os mais sadios, deixando para trás idosos e doentes.
Contudo, sempre chega. Paradoxalmente, é um dos assuntos que quase toda gente evita tocar. É por isso mesmo que, quando chega, sempre surpreende. Também por esse motivo, muitas lágrimas são derramadas sobre os túmulos. Lágrimas que se casam a exclamações como: "Ah, se eu soubesse que era o seu último dia! Se eu soubesse que ele iria morrer, não teria sido tão mau! Se eu soubesse que ele partiria tão cedo, teria abraçado mais, dito como o amava, sido melhor para ele." Por tudo isso, é bom considerar que nossa existência é muito efémera. Hoje estamos aqui, amanhã poderemos não nos encontrar mais deste lado da vida.
O ser amado que se despede para o trabalho diário, pode não retornar. A criança que corre pela rua, rumo à escola, pode não voltar para casa. Como a irmã daquele menino de apenas 10 anos. Ele entrou em casa e chamou pela mãe. Ela estava no quarto, sentada, quieta. "A tua irmã morreu esta manhã, Michael." - Foi o que disse. O conceito de morte não tinha um significado concreto para aquele rapazito. Durante muito tempo ele perguntava à mãe: "ela vai voltar? Porque é que ela teve de morrer?" E ficava em frente à casa, esperando que o autocarro escolar a trouxesse de volta. Entrava no quarto dela e apanhava a sua pasta escolar. Tudo estava bem arrumado - os cadernos de um lado, os livros do outro, o estojo de lápis no meio. A faixa preta de elástico que ela usava nos cabelos quando foi para o colégio naquela manhã. Depois, devolvia tudo certinho no seu lugar. Perguntava-se, se a irmã ficaria zangada por ele ter mexido nas suas coisas. O que ele realmente jamais esqueceria foi o que aconteceu duas noites antes da irmã morrer. Ele esperou o autocarro que a trazia da escola. Estava preocupada. Esquecera de um trabalho de arte que devia entregar no dia seguinte. Ele foi-a ajudar e juntos fizeram 12 borboletas coloridas, de antenas enroladas e asas triangulares. No dia em que ela morreu, ele estranhamente despertou mais cedo. Observou-a arranjando-se para a escola. Como o vão da escada no prédio era muito escuro, ele ficou segurando a porta aberta para que a luz do apartamento a ajudasse ver os degraus. Uma das mãos dela segurava a pasta, a outra balançava, enquanto descia os degraus. Estava de uniforme azul. Tinha só 14 anos. E suas últimas palavras para Michael foram: "Até logo, irmão."
Passadas mais de 4 décadas, Michael ainda guarda a lembrança da sua irmã. Quando vê uma borboleta, recorda de imediato daquele último trabalho que fizeram juntos. E espera. Porque, um dia, ele também fará essa viagem para o grande além.
Nesse dia, finalmente, ele a verá outra vez.

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